Após ler a matéria intitulada
“Professores da Unifesp de Guarulhos defendem mudança do campus para SP”,
publicada no site do Estadão em 03 de Agosto de 2012, não pude deixar de me
sentir envergonhado e ofendido pelas declarações ultrapassadas, preconceituosas
e até mesmo errôneas. Que têm por base alguns sensos comuns, fundamentados por
uma visão elitista e excludente, que infelizmente são compartilhados por muitos
daqueles que trabalham e estudam na Unifesp – Guarulhos.
Sou aluno do curso de Letras,
ingressei na Unifesp em 2009, logo, faço parte da primeira turma de tal curso.
Fui aprovado na primeira chamada, na habilitação Português-Inglês, naquele ano
o curso mais concorrido entre os oferecidos no campus de Guarulhos, sem nunca
ter frequentado qualquer curso pré-vestibular. Desde então à custa de muito
esforço e dedicação tenho tido um bom desempenho acadêmico, sendo aprovado em
todas as matérias nas quais me matriculei. Mas e daí? E daí, que eu escolhi
ficar na Unifesp. Apesar de aprovado em outras duas instituições e da
possibilidade de ser aprovado na tão desejada Universidade de São Paulo – USP.
E daí, que eu estudei a vida inteira em escola pública, excelentes escolas por
sinal, localizadas justamente na região dos Pimentas, para a surpresa de
muitos.
Assim, ao ler "Estudantes
com melhor preparo desistem de frequentar a EFLCH, obrigando-a a receber
estudantes semialfabetizados" só posso me sentir indignado. Primeiro,
conheço outros alunos da Unifesp - Guarulhos com situações semelhantes ou
idênticas as minhas, alguns já estavam lá quando eu cheguei e outros foram conquistando o direito de cursar uma universidade federal ao longo desses quatro
anos em que frequento o curso. Segundo, todos os alunos tiveram de passar por
um exame que lhes permite-se ingressar no ensino superior, seja o vestibular,
pelo o qual passei, seja o SISU mais recentemente; tais exames visam unicamente
selecionar os candidatos aptos ou não a se tornarem alunos da graduação, eles
sim “obrigam” a Unifesp a receber os tais “semialfabetizados” (entre os quais
me incluo) e não a localização do campus ou a evasão daqueles que partiram para
uma Universidade com melhor infraestrutura, organização e reconhecimento.
Outro fato que pode causar
estranheza, é que recorrentemente alunos de escolas públicas da região - como
as reconhecidas E. E. Profª Maria Aparecida Rodrigues, E. E. Profª Maria
Aparecida Felix Porto e E. E. Profº Antonio Viana de Sousa (na qual cursei da
5ª série do ensino fundamental ao 3º ano do Ensino Médio), bem como, o Cursinho
Comunitário Pimentas CCP - a cada ano ingressam em diferentes instituições
públicas do país, ao contrário do que muitos posam pensar, em cursos
concorridíssimos, como veterinária, artes cênicas, engenharia, música,
enfermagem, direito, entre outros.
Vale ressaltar, que se o corpo
discente não é formado pelos “bens colocados”, ou seja, se a Unifesp foi apenas
a segunda, terceira ou última opção de onde estudar, como pelo visto pensam
alguns, o mesmo se repete entre o corpo docente, afinal nós que somos alunos
sabemos que a grande maioria, salvo exceções, dos professores doutores estão na
Unifesp, pois não foram aprovados em concursos públicos para as tão cobiçadas
USP, UNICAMP, UFRJ, UNB, entre outras.
Tenho medo e vergonha de pensar que
tal atitude e pior tais declarações partam de doutores das ciências humanas,
professores de futuros professores. Ora, será que aprenderemos a reproduzir um
pensamento excludente e preconceituoso num futuro que está cada vez mais
próximo?
Pois, ao ler “a unidade é isolada
geográfica e culturalmente, além de
não acrescentar nada à região onde está, no carente Bairro dos Pimentas...” não posso deixar de pensar na desvalorização da
cultura produzida nas periferias, pois até onde sei a cultura é intrínseca ao ser humano, logo,
existe até mesmo nos Pimentas. O que acontece é que esta, ainda que periférica,
é desconhecida para muito daqueles que se restringem a “viajarem” em seus
carros até o campus, ministrarem ou assistirem suas aulas e voltarem o mais
rápido possível para as suas casas.
É verdade que estamos distantes
de grandes museus, espaços culturais, bibliotecas. Mas não seria a Unifesp
responsável pelo estabelecimento a médio e longo prazo de uma “ilha de
excelência” na periferia de Guarulhos, como ouvíamos nos primeiros anos dos
cursos? O que culminaria na implementação de espaços culturais diversificados
na região. Não caberia a própria Unifesp, desde o princípio, a organização de
uma descente biblioteca que atendesse alunos e moradores? Mas, que até hoje não
atende nem mesmo os próprios alunos devido à falta de infraestrutura (espaço) e
de livros. Sim, temos um acervo pequeno e restrito. A culpa também é dos
Pimentas? E, sobretudo, se a Unifesp “não acrescenta nada à região” a
responsabilidade é dos moradores ou daqueles que deviriam ter se integrado aos
bairros que formam a gigantesca região dos Pimentas? Por que não ofereceram aos
moradores a possibilidade de acesso ao conhecimento e a “cultura” que julgam
tão inexistentes por aqui, ao invés de se isolarem entre os muros da instituição
e suas salas de aula?
O acesso ao campus não é ruim, ele
é péssimo. Assim, como todos os acessos a região. Mas os problemas do
transporte público e da mobilidade urbana já foram bem piores em Guarulhos, o
que não impediu e não impede que inúmeros moradores da região dos Pimentas
trabalhem nos mais dispares cantos da cidade de São Paulo, ainda que tenham que
sair de madrugada e tenham voltar para casa quando já é noite, pois dependem do
ainda precário (como na parte do Brasil) serviço de transporte público.
Por fim, se “a Unifesp
não faz nada especificamente para a população local" me questiono se não
está na hora de mudarmos isso e, já tardiamente, começarmos a fazer alguma
coisa, ao invés de sairmos com “o rabinho entre as pernas” e com alguns dos poucos
livros que existem debaixo do braço?
No entanto, ainda que a
Unifesp não faça nada para a população, como se reconhece, isso não impede que alguns
dos “semialfabetizados” que aqui residem sonhem cursar um curso superior nesta
instituição, assim como eu sonhei um dia. E, enquanto existir ao menos um único
morador(a) dos Pimentas, que pretenda ingressar na Unifesp, não tenho dúvidas
que o lugar dela é aqui.
P.S. quanto a não
obediência das regras imposta pela norma culta da língua portuguesa levem em
consideração que sou um semialfabetizado também.
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