Já ouvi que o
carnaval é a obrigação de sermos felizes com data marcada. Não discordo
totalmente, mas acho impossível pensar em felicidade plena, há sempre um bocado
de tristeza, um aperto no coração de vez em quando, uma mistura de emoções. E
claro, sambistas têm apenas motivos para se alegrar nem se esquecem de tudo
porque é carnaval.
Talvez, essa
alegria que suplanta a dor, ou, em contato com esta última a torna menos
pesada, já estivesse presente na origem de nosso samba e das danças
afro-brasileiras, pois foram estas algumas das maneiras encontradas pelos
escravos, que para cá foram trazidos durante nossa colonização, para suportar a
diáspora e a escravidão.
Como
bem disse Vinícius de Moraes: “pra fazer um samba com beleza é preciso um
bocado de tristeza, senão não se faz um samba não”. Tomo a liberdade de
parafraseá-lo: para fazer um Carnaval com beleza e emoção que arrepia a alma é
preciso um bocado de tristeza, mais um tanto de luta e dose extra de superação.
Pois,
não pensem que todos os integrantes de uma escola de samba pisam na avenida
guiados apenas por alegria. Há muita luta por trás daquele momento: há muitas
vezes o esforço financeiro de economizar todo mês, durante o ano todo para ter
dinheiro pra fantasia; há a necessidade de superar os percalços que a vida
coloca na vida de todos nós, problemas familiares, profissionais, perdas
materiais ou afetivas. E ainda, há aqueles que estão dia-a-dia dentro de uma
escola de samba e consequentemente passam a sofrer com os problemas da própria
escola: falta de dinheiro, muitas vezes a ausência de um espaço adequado para preparar
o carnaval, as chuvas de janeiro que, sobretudo aqui em São Paulo, se torna um
pesadelo para muitas escolas que vêm seus barracões inundados repentinamente,
ou, o pior de tudo, um incêndio que em minutos pode consumir o trabalho de um
ano inteiro.
Sou
um completo apaixonado por carnaval, apesar de nunca ter desfilado, são onze
carnavais consecutivos, onze anos de um mágico encantamento pela Mocidade
Alegre, a escola do meu coração, amor puro mesmo. No entanto, somente nos
últimos sete / oito anos pude ver e conviver com maior proximidade com pessoas
incríveis, das mais variadas escolas de samba, de tal comprometimento para com
o seu Pavilhão, que fazem da avenida seu palco e brilham apesar de tudo indicar
ao contrário.
São
esses sambistas, baianas e baluartes que me inspiram. Heróis e Heroínas
anônimos. Salve povo de samba, que vence dores, derrotas e tristezas e
transformam o carnaval em um momento apoteótico, catártico. Porque, é ali na
avenida, quando toca a sirene e o desfile começa que os problemas se tornam menores,
e mesmo entre lágrimas, um sorriso brota acompanhado do rufar dos tambores e
tamborins.
É
ali na avenida, quando toca a sirene e eu sei que é a vez da Mocidade Alegre entrar
que me esqueço de absolutamente tudo, me arrepio até a alma, os olhos marejam e
um grito de alegria explode no primeiro acorde do samba. Porque, depois de tudo
eu me sinto com as energias renovadas; ao final do desfile, aí sim o ano
realmente começa, e eu me sinto pronto pra qualquer parada porque o Carnaval
renova minhas energias, recarrega a bateria.
Portanto ao
ver um sambista com os olhos banhados de emoção saibam que essas lágrimas são
resultado de um ano inteiro de alegrias e tristezas, conquista e frustrações, e
apesar de transparentes guardam tons múltiplos e matizes diversas.